Carta a Ninguém

Os ponteiros do relógio continuam girando, os dias e as noites, se alternando.

A memória de "você" vai se apagando lentamente: já não me lembro muito bem como soa sua voz, tampouco como são os traços do seu rosto. Reduzido a um nome, à uma ideia de você, temo que, com o passar do tempo, nada mais reste.

Mas você ainda não será reduzido a um nome anotado em um papel: resisto, pois não quero esquecer nada que vivi; resisto, pois todas as coisas parecem-me importantes demais para que a poeira as consuma.

Não exijo o mesmo tratamento. Aliás, não me importo com o que você faz com a memória do meu "eu". Gostaria de saber, claro, assim como minha curiosidade me impele a saber tantas coisas.

Tudo soa tão distante e ilusório, mas, ao mesmo tempo, íntimo e secreto. Envolta em seu afastamento, uma saudade invade meu corpo e tenta controlar minhas ações: consigo, em muitas ocasiões; em outras tantas, deixo-me levar, ingenuamente, por crer que desta vez possa ser diferente.

Mas nunca é. A forma se altera, mas o conteúdo é sempre o mesmo e os resultados, sempre frustantes. Lembro-me, então, do canto de outro ariano: "Você sai de perto eu penso em homicídio / Mas no fundo eu nem ligo".

Contradições que me assolam e me confundem: as diferentes partes de mim falam, agora, línguas que não se entendem.

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