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Algumas histórias quase soam como contos de fadas; para algumas delas não há melhor início que um clásico "Era uma vez...". Essa é uma dessas histórias, daquelas nas quais acompanhamos a transformação da personagem de garota desajeitada a heroína salvadora de todos os males. Bem, não exatamente. 

Era uma vez uma garota que não tinha amigos. Pequenina, estranha com seus óculos grossos de aro vermelho, andava na sua bicicleta rosa com um livro na cestinha. Subia e descia as ruas cheias de paralelepípedos sentindo o tremor causado pelo chão irregular, sorrindo e sonhando com o dia que, como uma borboleta, cresceria e poderia ser quem desejava ser. Não que ela já soubesse qual era sua verdadeira vocação: com tantos interesses e um mundo tão vasto, como ousaria saber?

Em alguns dias, fazia um curativo em seu joelho e desejava ser médica. Mas não qualquer médica: uma médica que ajudasse quem precisa. Leu em um livro que crianças na África morriam de fome; se questionava, então, se deveria se mudar para a África. Leões, girafas, elefantes e grandes rios ocupavam a sua imaginação e coexistiam com tartarugas do deserto. Em outros, pegava seu caderno e sonhava em escrever histórias de dragões e baús mágicos encontrados em sótãos abandonados.

Não se sabe como pois ninguém percebeu, mas a menina que não gostava de bonecas mudou. Já não mais calada, ainda perguntava muito, mas tinha tantas certezas e opiniões que ocupavam então o sua mente encantada. Desiludida, nada mais tinha graça. Foi-se mergulhando no quadrado no qual não se encaixava: quem sabe se tentasse ser um hexágono aproximaria-se mais do que deveria ser. Tantos conceitos, tantas confusões, tantos desejos não-saciados.

Imaginava, assim, um mundo utópico onde pudesse voltar a respirar: como não o encontrava, refugiava-se em filmes sem sentido para preencher o tempo. Sonhava em morrer cedo, em passar pela vida vazia da forma mais efêmera que conseguisse. Começa, dessa maneira, a reviravolta da nossa história.

A mudança de cidade abalou-a e a fez ir ao fundo do poço e após uma tentativa - fracassada! - de suicídio deparou-se com palavras que a dariam força. Sua inteligência sempre foi um fardo, mas ela aprendeu que a poderia usar para buscar a solução para seus problemas e inventar um novo "eu"; um "eu" caricato, superficial, mas tão protetor!


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